terça-feira, 12 de maio de 2009

Nome: António Domingues Mendes

Como foi para si a guerra?

Uma guerra é sempre difícil, pelas nefastas consequências que traz para toda a gente nela envolvida
As populações em conflito, quer sejam indígenas (naturais) quer sejam europeus (colonos) todos sofrem física e psicologicamente as consequências da guerra, ou perdendo as suas vidas ou os seus familiares e amigos ou, mesmo não os perdendo, sendo obrigados a lidar com as fortes limitações resultantes da guerra. Quantos não regressaram traumatizados e incapazes de continuar uma vida independente e autónoma!
A guerra é particularmente difícil no campo militar. E se do lado colonial era difícil, podemos imaginar, certamente, que do lado dos guerrilheiros a situação não era mais confortável, embora de certo modo, fossem melhores conhecedores do ambiente das matas africanas.
Mas relativamente à guerra sofrida pelo militar português e é dessa que posso falar com maior conhecimento de causa, porque foi essa que vivi, e portanto, da qual posso dar o meu testemunho. Todos podemos imaginar o quão é difícil afastarmo-nos daqueles que mais nos amam durante cerca de dois anos, sempre temendo que esses dois anos não se completem com sucesso….
Vivíamos num antigo povo indígena, em que todas as nossas habitações eram palhotas construídas à base de capim e terra (adobe). O nosso acampamento estava localizado no meio da floresta, distando cerca de 8 km do Congo ex-Belga e a cerca de 200 km da povoação “europeia” mais próxima (onde estava uma companhia reforçada a que estávamos adidos, e onde nos deslocávamos todas as semanas uma patrulha para ir reabastecer de comida, incluindo o pão.
Suponho que queres saber como era o nosso dia a dia. Claro que ele variava consoante as missões que tínhamos a cumprir. Se estivéssemos num quartel, podíamos desempenhar as mesmas tarefas que se desempenham em qualquer unidade militar do continente, embora tendo sempre em atenção algumas medidas de segurança. Quando estávamos destacados em zonas de intervenção (de combate), é evidente que tudo se passava de modo diferente. No meu caso, estive por três vezes destacado nessas zonas. No primeiro destacamento, estive a comandar um efectivo de cerca de 70 homens (o equivalente a dois grupos de combate). Destes, a maioria eram naturais (de Angola), sendo da metrópole (brancos), cerca de 30.
Vivíamos num antigo povo indígena, em que todas as nossas habitações eram palhotas construídas à base de capim e terra (adobe). O nosso acampamento estava localizado no meio da floresta, distando cerca de 8 km do Congo ex-Belga e a cerca de 200 km da povoação “europeia” mais próxima, onde estava uma companhia reforçada a que estávamos adidos e onde nos deslocávamos todas as semanas em patrulha para ir reabastecer de comida, incluindo o pão.
As estradas de ligação, se assim lhes podemos chamar, eram as chamadas picadas, nas quais nos deslocávamos em Jipes ou “Unimogs”. Nesta distância, percorríamos 23 pontes de madeira que normalmente eram constituídas por dois paus mais grossos com travessas pregadas. Por vezes, por razões várias, ficávamos empanados e o nosso material rádio nem sempre funcionava. Calculas o panorama!
Para reduzir o número de viagens de abastecimento, decidimos construir um forno com os nossos próprios meios. Como tínhamos dois pedreiros, avançámos com a obra! Para isso, delineámos também um plano de trabalhos: ir buscar pedras, trazer barro, fazer umas caixas de madeira para moldar os tijolos de barro, secá-los ao sol e construir o forno. Enquanto os trabalhos avançavam, escolhi dois soldados que foram a aprender a fazer pão (padeiros). Assim, depois de contactar os padeiros de Quimbele, vila onde íamos buscar o pão, concordaram em ensinar os dois rapazes, que também estavam satisfeitos por conseguir uma profissão. Cerca de 1 mês e meio depois, já tínhamos o forno a funcionar, obtendo pão de óptima categoria. Esta a história de um forno!
Outro episódio mais complicado passou-se pouco depois da minha chegada a esse acampamento. Eu e os meus soldados acabávamos de chegar para render o pessoal que iria sair, quando alguém diz que o acampamento estava a sofrer um ataque de “quissonde” (formigas grandes e muito vorazes). O alferes que ia render teve a ideia de regar as formigas com gasolina e colocar fogo. Só que, devido ao vento, o fogo pegou às palhotas, ardendo duas por completo. Uma daquelas habitações tinha munições que começaram a deflagrar como se fosse um ataque do inimigo. Foi um pandemónio. Tivemos de nos abrigar e uma secção de soldados ficou sem roupas. Foi quase o dia do juízo final!



Mariana Sequeira